7 de agosto de 2011

O amor como valor jurídico e fundamento dos direitos


Comarca de Dracena
2ª Vara Judicial
Corregedoria Permanente dos Cartórios Extrajudiciais

AUTOS DE HABILITAÇÃO DE CASAMENTO
Protocolo nº 363/11


SENTENÇA:

“O amor não faz nenhum mal contra o próximo.
Portanto, o amor é o cumprimento perfeito da Lei.”
(Romanos, 13, 10)


                               Trata-se de pedido de conversão de união estável em casamento, formulado por A e B (fls. 02/08 e fls. 11/12).
                               O Ministério Público do Estado de São Paulo opinou contrariamente, porque, nada obstante o Egrégio Supremo Tribunal Federal tenha decidido recentemente sobre a possibilidade de união estável entre pessoas do mesmo sexo, isso não significaria que a conversão em casamento de tais uniões seja automática, porquanto depende da obediência aos requisitos legais exigidos para casar. E, dentre esses requisitos, está a diversidade dos sexos dos nubentes (fls. 15/19).
                               Houve indeferimento do pedido, porque não comprovada a união estável que se pretende converter (fls. 21).
                               A Oficial de Registro Civil dracenense pugna, agora, pela reconsideração da decisão supra, juntando aos autos prova pré-constituída da união estável existente entre A e B (fls. 22/44).
                               É o relatório.
                               Fundamento e decido:
                               A prova documental ora juntada comprova, sobejamente, a união estável existente entre A e B. Por isso, reconsidero a decisão de fls. 21.
                               Não há necessidade de nova abertura de vista ao Ministério Público, porque seu pronunciamento não foi sobre essa prejudicial, mas sim sobre a impossibilidade jurídica do pedido – que continuaria presente, em sua visão.
                               Nada obstante, defiro a conversão.
                               Só é possível entender a decisão de nossa Suprema Corte, na ação direta de inconstitucionalidade nº 4277 e na arguição de descumprimento de preceito fundamental nº 132, tendo em mente – sempre - a interpretação sistemática que os excelsos Ministros efetuaram ao analisar a regra do art. 226, § 3º, da Constituição Federal, cotejando-a com Princípios, Valores e Objetivos maiores e mais caros ao Estado Brasileiro, como o da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF); o da promoção do bem de todos, sem preconceitos de sexo e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, IV, CF); o da igualdade de todos perante a lei (art. 5º, caput, CF); e o da vedação de qualquer discriminação atentatória dos direitos fundamentais (art. 5º, XLI, CF).
Nesse passo, se os Ministros da Suprema Corte entenderam que a expressão “entre o homem e a mulher”, constante no § 3º do art. 226 da Constituição Federal, é discriminatória, porque existentes, possíveis e válidas as uniões entre homem e homem bem como entre mulher e mulher, não parece cabível manter a constitucionalidade das demais regras vigentes no ordenamento jurídico brasileiro que estabeleçam essa discriminação, verdadeira segregação de alguns institutos a apenas alguma espécie de seres humanos (os heterossexuais).
 O que o Supremo Tribunal Federal pretendeu, julgando tais ações, foi fazer prevalecer aqueles Valores, Princípios e Objetivos face às regras discriminatórias existentes em nosso arcabouço jurídico, não permitindo que o afeto e o amor sirvam como razão de discrímen para institutos como união estável, casamento e adoção, por exemplo.
Seguindo essa orientação, advieram outros julgamentos, como o realizado pela 2ª Vara de Família e Corregedoria do Registro Civil das Pessoas Naturais da Comarca de Jacareí/SP (habilitação nº 1209/2011), pela 4ª Vara de Família da Circunscrição Especial Judiciária de Brasília/DF (processo nº 101695-7/2011), e pela Corregedoria Permanente de Cajamar/SP (habilitação nº 343/11).
Trata-se, irrefragavelmente, de grande avanço da sociedade brasileira rumo a uma sociedade mais justa, fraterna, plural, igualitária e digna.
Acima de tudo, trata-se do reconhecimento do Amor como Valor Jurídico extremamente importante, e fundante das sociedades humanas.
Discorrendo sobre o assunto, ensina SILVIO DE MACEDO, verbis:
“(...) O amor é um valor vital, estético, metafísico, ético, social, jurídico como consequência. O sistema jurídico, aberto, permite certa permeabilidade do amor. Daí se caracterizar também como valor jurídico.
Se o amor pode sacudir as estruturas sociais e se estas só mantêm estabilidade pelo direito, então amor e direito se aglutinam no sistema jurídico, formando o valor jurídico.
Polivalente e tocando os diversos níveis da escala axiológica, o AMOR é idôneo para tocar e sensibilizar as demais estruturas sociais, a heterorrealização social, onde se aperfeiçoa e se realiza, instaurando a ordem não apenas jurídica mas metajurídica.
Grandes contatos do direito com o amor, em determinadas circunstâncias históricas e individuais, mostram não só a subjetividade mas a objetividade da fé, da esperança e do amor no plano das realizações sociais, daí não se justificando a não-inclusão do amor como valor social, ao lado dos demais valores.” (‘Curso de Axiologia Jurídica’. RJ: Forense, 1986, p. 93)
Não é diferente o ensinamento de outro grande mestre, GOFFREDO TELLES JR., a saber:
O amor pelo próximo é princípio subliminar da ordem. É o sentimento primeiríssimo, o primeiríssimo elã da alma, dos que são levados a conviver numa comunidade. Mesmo quando obumbrado, não bem percebido ou expresso, ele é o cimento subjacente da união dos seres na sociedade. É o elo tácito da comunhão humana numa Nação.
Em verdade, o amor constitui, no imo da consciência de legisladores e intérpretes, a matriz silenciosa, o submerso manancial, a inspiração geradora da Disciplina da Convivência. É a origem mais pura, mais profunda da legislação: a causa das suas causas.
É a fonte natural do Direito.” (‘O primeiro mandamento’, in ‘Estudos’. SP: Ed. Juarez de Oliveira, 2005, p.7)
E se o Amor é não apenas um Valor jurídico, como também a causa das causas de todos os direitos e da própria Convivência Humana, não há razão para indeferir o pedido ora formulado, baseado justamente nesse valor, tão raro nos dias atuais.
Dessa forma, por tais e tantos motivos, HOMOLOGO a disposição de vontades declarada pelas requerentes, a fls. 03, e, assim, CONVERTO EM CASAMENTO a união estável sob a qual vivem A e B. O regime escolhido é o da comunhão parcial de bens e, doravante, as requerentes passarão a se chamar AB e BA.
A presente sentença possui efeitos imediatos, porquanto substitui a celebração. Assim, lavre-se o ato, providenciando-se às averbações necessárias nos demais assentos civis das partes.
Ciência ao Ministério Público.
P. R. I.
Dracena, 04 de agosto de 2011
Bruno Machado Miano
Juiz de Direito

4 comentários:

  1. O amor presente resolve qualquer situação.

    ResponderExcluir
  2. Exatamente!
    Se um dia nossa sociedade conseguir se irmanar em amor, quem sabe o Direito até mesmo deixará de ser necessário.

    ResponderExcluir
  3. Com certeza. Sempre brinco que o Direito Penal existe por falta de amor...

    ResponderExcluir
  4. Já leu "A arte do Direito", do Carnelutti!?
    Ele aborda exatamente essa questão, explicando também a razão de ser sanção penal.

    ResponderExcluir