26 de agosto de 2011

Mais uma vez “O Mágico de Oz”


3ª Vara Judicial da Comarca de Registro
Autos nº 812/2009
Requerente:              E
Requerida:                L
Interessada:             P
                                  
S  E  N  T  E  N  Ç  A

Vistos, etc.
1. Relatório:
E ajuizou pedido de modificação de guarda com o intuito de reaver a guarda da sua filha P, que anteriormente foi judicialmente atribuída à avó L. Para tanto, aduziu reunir condições para assumir suas responsabilidades e não estar a criança recebendo bons cuidados (fls. 2-5).
A liminar foi indeferida (fl. 26).
A requerida contrariou a pretensão sob os argumentos de que dispensa cuidados adequados e de que a mãe não tem contribuído sequer financeiramente com as despesas de cunho alimentar da criança (fls. 33-34).
Houve réplica (fls. 56-57).
Durante a instrução foi realizada avaliação psicológica (fls. 59-63) e os estudos sociais (fls. 67-69 e 105-107), bem como se promoveu a oitiva da criança (fl. 95).  
As partes puderam se manifestar sobre os estudos (fls. 71-72 e 73-76) e em alegações finais (fls. 110-115 e 116). O Ministério Público apresentou manifestação pela procedência da pretensão (fls. 78-80 e 117-118).
É o relatório. Decido.

2. Fundamentação:
É certo que ambas as partes atualmente reúnem condições para bem atender às necessidades sócio-econômicas da criança, consoante se infere dos estudos sociais junto à avó (fls. 67-69) e à mãe (fls. 105-107). Também é lídimo o interesse da genitora em recuperar sua condição de mãe (no sentido mais pleno da palavra), e não se pode olvidar ser natural que os pais cuidem dos filhos e que há parecer psicológico favorável à modificação da guarda (fls. 59-63).
Todavia, com a devida vênia, tenho que o pedido é improcedente. E isso por uma série de fatores. Veja-se. 
Primeiro, o fato de a avó ter exercido certa pressão psicológica para que a criança queira permanecer com ela residindo, mediante a promessa de brinquedos, sapatos e roupas, bem como tendo falado para a menina que iria embora se ela deixasse de morar consigo (fl. 95), não tem o condão de caracterizar alienação parental. É que não se trata de conduta apta a denegrir a imagem da mãe perante a criança, não se enquadrando na situação do caput do artigo 2º da Lei n. 12.318/2010 (lei que regula em termos jurídicos a alienação parental) e, tampouco, nas condutas exemplificativas trazidas pelo seu parágrafo único. Ademais, a Síndrome da Alienação Parental (termo proposto por Richard Gardner em 1985) caracteriza-se por situações de intensa pressão psicológica e que tenha por mote romper ou atrapalhar os laços afetivos com algum dos pais, criando na criança fortes sentimentos de ansiedade e temor, situação essa que evidentemente não aconteceu no presente caso, pois não há sequer notícia de que a avó tenha criado embaraços à atuação da mãe (dentro do seu tempo de visitação) e do estudo psicológico é perceptível que mesmo morando com a avó a criança permanece tendo referencial materno e até mesmo idealizando a mãe como “modelo identificatório” (fls. 59-63). Isso não bastasse, apesar de ser censurável e lastimável a conduta da avó nesse aspecto, é intrínseco ao ser humano tentar defender seus interesses com os instrumentos que têm à disposição, sendo isso o que fez a avó, sem, contudo, abusar de seus instrumentos e denegrir a imagem materna.
Segundo, porque a notícia defensiva de que a mãe apenas prestou à guardiã parca contribuição financeira com as necessidades de cunho alimentar da criança (fl. 34) sequer foi objeto de contrariedade (fls. 56-57) e, de fato, a mãe silenciou no curso do feito acerca do adimplemento de sua obrigação alimentar que, mesmo se não imposta judicialmente, constitui obrigação moral e legal (artigo 1.696 do Código Civil). Ou seja, apesar de a mãe manifestar o propósito de recuperar a guarda da infante, falta-lhe externar com atos a plena atenção aos seus deveres maternos.   
Terceiro, porque os maus cuidados ventilados na inicial não foram efetivamente comprovados. Pelo contrário, o estudo social cuidou de reunir informações a esse respeito e obteve o resultado de que a menina tem bom aprendizado e frequência escolar, além de apresentar higiene adequada (fls. 67-69). Mais: consta comprovação de que a criança utiliza até mesmo transporte escolar particular e com acompanhamento (fls. 47 e 48). Aqui, pelas mesmas razões já fica repelida a alegação da autora de que a avó teria litigado de má-fé (fl. 57).
Quarto, em razão de que a mãe recentemente teve novo enlace matrimonial (fl. 106) e apesar de deter condições sócio-econômicas de cuidar da filha, ainda é cedo para se saber se seu atual relacionamento amoroso será perene e harmônico o suficiente para bem atender às plenas necessidades de desenvolvimento da filha. 
Quinto, em função de que a abrupta mudança da guarda se apresenta como natural e potencialmente resultante de problemas psicológicos, como a perda de referência. Esse triste resultado potencial é tão claro que foi até mesmo externado como temor pela própria mãe por ocasião do estudo social (fl. 106). Com efeito, além de a criança ter a avó como seu suporte mais forte no cotidiano (fl. 60), com ela está desde tenra idade e aprendeu a reconhecer como lar a residência em que convivem. Ou seja, a criança tem o lar da avó como seu lugar no mundo. Retirá-la abruptamente desse ambiente é medida de todo desaconselhável. A esse respeito, oportuno rememorar lição existente na obra infantil “O Mágico de Oz” em que a personagem Dorothy exclamou que "não há lugar no mundo como o nosso lar!"
Sexto, porquanto a própria criança tenha exprimido a vontade de permanecer residindo sob a guarda da avó, mesmo supondo a abstração à promessa de presentes e que a avó não fosse embora (fl. 95). Essa vontade não pode ser desprezada. É que muito além do direito da mãe em exercer a maternidade com plenitude está o melhor interesse da criança, que deve ser prestigiado. É que os postulados constitucionais (artigo 227) e do Estatuto da Criança e do Adolescente (artigo 3º) bem estabelecem diretrizes para o respeito da especial condição dessas pessoas em desenvolvimento. Longe vai o tempo em que as crianças eram consideradas meros objetos de intervenção do Estado ou de livre disposição dos pais. Nos dias de hoje, crianças e adolescente são cidadãos de primeira categoria, sendo-lhes garantido que o Estado, a família e a sociedade têm o dever de lhes oportunizar as melhores possibilidades de desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, tudo em condições de liberdade e de dignidade.
Destarte, sopesando os fatores envolvidos no caso, e entendendo a angústia que tanto a mãe quanto a avó devem estar experimentando, creio que a manutenção da guarda com a avó vai ao encontro do melhor interesse da criança.
Não obstante, também tendo em vista o melhor interesse da criança (o que possibilita ao juiz que não esteja adstrito ao princípio da correlação entre o pedido e a sentença, viabilizando a proatividade judicial) e que maior convívio com a genitora certamente seria sadio (e até mesmo poderia futuramente vir a viabilizar uma recuperação paulatina da guarda, sem a imposição de soluções abruptas, desde que assim venha a ser a vontade da criança), entendo oportuno ampliar desde logo o direito de visitas da genitora.
3. Dispositivo:
Diante do exposto, julgo IMprocedente o pedido contido na inicial, extinguindo o feito com resolução do mérito (CPC, art. 269, inciso I, primeira parte), e, por conseguinte, mantenho a guarda de P com a avó L. No entanto (com esteio nos artigos 227 da Constituição e 3º do Estatuto da Criança e do Adolescente), asseguro a ampliação do direito de visitas da mãe E, o qual passará a ser exercido da seguinte maneira:
(a) E poderá permanecer retirando quinzenalmente a criança do lar da avó a partir das 9 horas da manhã de sábado, devolvendo-a até as 9 horas da manhã de segunda-feira na rodoviária da cidade de Registro;
(b) nos finais de semana em que não ocorrerá a retirada do lar da avó, aos domingos e no horário compreendido entre as 14 e as 17 horas E poderá visitar a filha na casa da própria avó (sem retirada do local);
(c) em datas comemorativas como Natal e Ano Novo permanece a alternância; e
(d) a criança P passará a integralidade das férias escolares (iniciando-se a partir das férias de verão, na vacância letiva entre o final de 2011 e o início de 2012) com a mãe E, épocas nas quais a avó L poderá visitar a criança em todos os domingos, visitação essa que deverá ser realizada no horário compreendido entre as 14 e as 17 horas na casa da mãe E (também sem retirada do local).
Sem imposição de ônus de sucumbência por se tratar de processo necessário.
Oportunamente, expeçam-se certidões de honorários em prol dos ilustres advogados que oficiaram no feito, de acordo com o convênio da assistência judiciária, no valor máximo referente ao código da causa.
Ciência ao Ministério Público.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cumpra-se.
De Jacupiranga para Registro, autodata.

AYRTON VIDOLIN MARQUES JÚNIOR
Juiz Substituto

Nenhum comentário:

Postar um comentário