27 de agosto de 2011

Livramento condicional prejudicial



Execução Criminal nº 598.070
          Vistos, etc.
1.       Trata-se de recurso de agravo interposto em sede de execução criminal.
          Apesar de o processamento seguir analogia ao recurso em sentido estrito (o que acarretaria juízo de retratação após a contrariedade), tem-se que a decisão recorrida padece de nulidade, razão pela qual é oportuno e razoável que a nulidade seja declarada desde logo, até porque a alteração da decisão será, em tese, mais prejudicial ao interesse manifestado pelo órgão ministerial, de modo que o juízo de retração exercido apenas após as contrarrazões tolheria a eventual possibilidade de discussão adequada da matéria (art. 589, parágrafo único, do CPP).
          Inicialmente é necessário observar a viabilidade jurídica de reforma da decisão além da matéria objeto de irresignação pela parte recorrente. Assim entendo porque: (a) o juízo de retratação tem o condão de permitir melhor reflexão sobre o caso, não havendo expressa limitação legal de que o objeto da retratação deva se relacionar aos limites do recurso (ou seja, o objeto de cognição seria amplo); (b) há questões, como no caso, em que mesmo não sendo objeto de irresignação específica por alguma das partes podem e devem ser conhecidas, pois concernentes ao efeito translativo dos recursos; (c) compete ao juízo da execução zelar pelo correto cumprimento da pena (art. 66, VI, da LEP); e (d) por interpretação extensiva do artigo 5º, XL, da Constituição da República Federativa do Brasil, a doutrina e a jurisprudência vêm mitigando os efeitos das coisas julgadas, possibilitando até mesmo a aplicação em sede de execução criminal de entendimentos que sejam mais benéficos aos réus.

          E observo do caso que a decisão anteriormente proferida (somada ao quanto decidido nos embargos de declaração), apesar de fundada na mesma causa de fato (a prática de novo crime doloso), versou sobre dois incidentes de execução criminal: revogação do livramento condicional e a pretensão de perda dos dias remidos em razão de falta grave.
          Quanto à falta grave, já de plano se nota que o procedimento falhou em não realizar a necessária oitiva prevista pelo art. 118, § 2º, da LEP.
          Mais:  
          O incidente da revogação do livramento condicional contou com a participação do Ministério Público, mas nenhuma oportunidade de defesa se conferiu ao sentenciado.
          Não lhe foi oportunizada a defesa por advogado de sua confiança e sequer se ventilou a possibilidade de defesa pela advogada mantida pela FUNAP para atendimento a esta Comarca de Cananéia.
          Tenho como presente, portanto, violação aos corolários do contraditório e da ampla defesa.
          A esse respeito, mutatis mutandis:
“Firme o entendimento sobre a indeclinabilidade do contraditório no incidente de regressão de regime, em que se deve assegurar ao sentenciado não só o direito à audiência (artigo 118, § 2º, da Lei de Execução Penal) para o exercício da defesa pessoal, mas ainda a assistência de defensor técnico. Também na execução o ‘ofício da defesa’ se apresenta com estrutura dual: autodefesa e defesa técnica. Lembra o Professor ANTÔNIO MAGALHÃES GOMES FILHO que, ‘se no sistema introduzido pela reforma de 1984 a adequação da pena à pessoa do sentenciado é feita sobretudo na fase de execução, não será razoável garantir a assistência do defensor técnico durante a fase de conhecimento (artigo 261 do Código de Processo Penal) e suprimi-la justamente na oportunidade em que são possíveis as modificações na sanção e no modo de seu cumprimento. Acrescenta, com propriedade, que, intervindo o Ministério Público na execução, a exigência da participação do defensor técnico decorre diretamente dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, nos quais está implícita a 'paridade de armas', característica do devido processo legal’ (‘A Defesa do Condenado na Execução Penal’, in Execução Penal - Coordenação de Ada P. Grinover e Dante Busana, pág. 12, Ia ed. Max Limonad, 1987)” (TJSP, Agravo em Execução n. 9116676-49.1998.26.0000, rel. Dante Busana, registro em 21.9.1998).                                       
          Destarte, declaro a nulidade da decisão anteriormente proferida.
3.       Então, seria o caso de se intimar o executado para constituir advogado para fins de apresentação de defesa nos incidentes de revogação do livramento condicional e de apuração de falta grave.
          E assim procederia este magistrado na hipótese de que entendesse que os incidentes pudessem prosperar, pois haveria, em tese, a possibilidade de se causar gravame ao sentenciado.
          Todavia, entendo que ambos os incidentes devem ser repelidos, razão pela qual não há obstáculo para que assim se proceda desde logo, eis que não haverá prejuízo à pessoa beneficiada pelas garantias constitucionais.    
          Passo, pois, ao exame do caso.
          O sentenciado iniciou o cumprimento da primeira pena (8 anos e 4 meses de reclusão) em 21.9.2001.
          Deveria, então, ter progredido ao regime semiaberto em 9.2.2003 e ao aberto em 30.6.2004, quando a pena estaria extinta em 20.1.2010. Todavia, com os 80 dias remidos, a extinção da pena teria acontecido ainda antes, em 20.10.2009.
          Mas em vez de ocorrer esse cronograma de acontecimentos, a progressão ao regime semiaberto se deu apenas em 11.9.2003. E em 2.2.2005 (quando já contava com tempo inclusive para progredir ao regime aberto) acabou o sentenciado sendo colocado em livramento condicional.
          Como se nota, caso fosse seguido adequadamente o cronograma de benefícios ou se tivesse tido o sentenciado recebido a progressão de regime a que tinha direito em vez do livramento condicional, a pena estaria extinta.
          Muito embora este magistrado seja adepto do recrudescimento de algumas normas, especialmente as da execução, fato é que pelo sistema atualmente vigente, não fosse o trágico quadro de deficiência que assola a execução criminal no país, a pena estaria extinta muito tempo antes de se ter notícia da nova condenação.   
          Já por aí se vislumbra que para o caso concreto seria desproporcional a revogação do livramento condicional.
          Mas não é só.
          O novo crime acontecido em 2008 foi o de haver o sentenciado cedido veículo automotor a pessoa não habilitada (art. 310 do Código de Trânsito Brasileiro). Trata-se de crime pífio (aliás, tido pela própria legislação como de menor potencial ofensivo), tanto em danosidade quanto em sanção penal. Não é crime grave e tampouco no caso concreto chegou a produzir danos efetivos.
          Assim, em razão de um crime de menor potencial ofensivo, sem qualquer gravidade ou danosidade concreta, e cuja pena a ser cumprida é de 9 meses de detenção, deveria o sentenciado perder quase 6 anos de cumprimento de condições de livramento condicional e mais 80 dias remidos.
          Claro está que é excessiva a desproporcionalidade e a falta de razoabilidade entre o fato e as consequências dele advindas.
          Por tais motivos, diante dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, que decorrem do conjunto do texto constitucional, reconheço que especificamente para o caso concreto padecem de invalidade os dispositivos dos artigos 86, inciso I, 88 e 89 do CP e dos artigos 142 e 127 da LEP, razão pela qual afasto a revogação do livramento condicional e a perda de dias remidos em decorrência de falta grave.
4.       Por conseguinte, com esteio no artigo 90 do Código Penal, declaro extinta a pena privativa de liberdade aplicada ao sentenciado nos autos n. 193/2001 do Foro Distrital de Pariquera-Açu.
5.       Nessa toada, resulta que em 17.12.2010 o sentenciado iniciou o cumprimento da pena de 9 meses de detenção em regime inicialmente semiaberto decorrente dos autos n. 40/2008 do Juizado Especial Criminal do Foro Distrital de Pariquera-Açu.  
          Por isso, em 31.1.2011 completou o cumprimento de um sexto da reprimenda, ficando preenchido o requisito objetivo à progressão de regime.
          E à fl. 3 do último apenso se observa estar presente atestado de permanência e conduta carcerária, atestando-se o “bom comportamento” mantido pelo reeducando, o que torna preenchido também o requisito subjetivo (mérito do condenado).
          Diante do exposto, com fundamento no art. 112 da LEP, CONCEDO ao sentenciado XXXX progressão ao regime aberto, mediante cumprimento às seguintes condições:
(a) Recolhimento em sua residência nos dias úteis, feriados e finais de semana no horário compreendido entre as 22 e as 5 horas da manhã do dia seguinte. Deixo de determinar o recolhimento em casa de albergado em razão da ausência dessa espécie de estabelecimento penal, não se prestando a cadeia pública para suprir-lhe a falta (LEP, art. 102).
(b) Exercer trabalho lícito e honesto.
(c) Não se ausentar dos limites territoriais da comarca em que reside sem prévia e expressa autorização judicial.
(d) Comparecer em juízo mensalmente para informar e justificar suas atividades.
(e) Filiando-me à corrente doutrinária que entende ser necessária a aplicação de medidas moralizadoras do regime aberto, como condição especial do regime aberto deverá o sentenciado prestar serviços à comunidade pelo prazo de 6 (seis) meses, à razão de 7 (sete) horas semanais, a ser cumprida na forma do art. 46 do CP em dias, horários e locais a serem oportunamente estabelecidos.
          O término da pena está previsto para o dia 16.9.2011.
          Realize-se aceitação e advertência.
          Expeça-se alvará de soltura clausulado.
          Publique-se. Registre-se. Intimem-se o reeducando e o Ministério Público. Cumpra-se.
          Cananéia, autodata.

AYRTON VIDOLIN MARQUES JÚNIOR
Juiz Substituto

2 comentários:

  1. O ponto mais interessante da decisão, ao meu ver,é a declaração de invalidade de norma (que não se confunde com declaração incidental de inconstitucionalidade) cuja aplicação, no caso concreto, viola princípios constitucionais.
    Princípio prevalece sobre norma.
    É o que se chamava, muito antes das modernas teorias constitucionais, de "summum jus summa injuria".
    Abração!

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  2. Opa mestre Eduardo!
    Obrigado pelo comentário, o qual enriqueceu em muito a postagem!

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