6 de julho de 2011

O limoeiro e o contraditório


2ª Vara - Ofício Cível da Comarca de Dracena
Autos nº 168.01.2006.005189-0/000000-000
533/06

SENTENÇA:
                   B ajuizou a presente causa, de natureza inibitória, em face do DIRETOR DO ESCRITÓRIO DE DEFESA AGROPECUÁRIA DE Y, pretendendo, em síntese, a concessão de tutela que impeça o réu, ou quem puder agir em seu nome, de cortar seu limoeiro (do autor), sem antes lhe permitir contestar o laudo de análises laboratoriais, acaso este reste positivo.
                   Para tanto, afirma que representantes do Escritório de Defesa Agropecuária de Y foram à sua propriedade (Rancho C) e, depois de lhe informarem da ‘Campanha Nacional de Combate ao Cancro Cítrico’, vistoriaram o pomar ali existente e colheram amostras de folhas dos pés de limão galego para análises laboratoriais.
                   Aduz não ter se oposto à medida; antes, com ela concordado e colaborado. Ocorre que, depois da colheita do material, foi informado pelos agentes que, uma vez constatada a presença da doença, seria cortada a árvore e toda planta existente num raio de 200 m.
                   Acerca da possibilidade de contraprova, foi informado pelos agentes administrativos de sua impossibilidade, porque não prevista no Decreto-lei que implantou a campanha.
                   Por tais fundamentos, e escorando-se nos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, requer o autor a inibição de qualquer ato estatal antes da realização de aludida contraprova, pena de ser-lhe infligida multa diária de 3.000 reais (fls. 2/9). Requereu fosse a tutela antecipada. Deu à causa o valor de 1.000 reais. Juntou documentos (fls. 10/14).
                   Num primeiro momento, a petição inicial foi indeferida (fls. 17/18), do que o autor apelou (fls. 21/31). À vista das razões postas no recurso, restou positivo o Juízo de Retratação, com a antecipação da tutela requerida (fls. 33).
                   O réu, pessoalmente citado (fls. 47), contestou alegando que: a) a gravidade que representa a contaminação de planta no pomar do autor é muito superior ao prejuízo que ele pode sofrer, à vista do risco de alastramento da contaminação da doença no Município, no Estado e até no País; b) a ação administrativa funda-se no Regulamento de Defesa Sanitária Vegetal, aprovado pelo Decreto Federal nº 24.114/34 e pelo Decreto Federal nº 75.061/74; c) o autor, por meio de decisão judicial, pretende alterar ou mesmo impedir a execução da Política Nacional de Combate ao Cancro Cítrico; d) o ato administrativo impugnado decorre do poder de polícia da Administração; e) a argumentação do autor funda-se na eventual possibilidade de falha no exame laboratorial do material colhido no trabalho de inspeção; f) em nenhum momento o autor negou a existência do indício de planta contaminada ou providenciou a realização da contraprova; g) mesmo que houvesse um tratamento eficiente, até ele surtir efeitos os pomares vizinhos já estariam contaminados, razão pela qual a única forma de conter a doença é erradicar os pés componentes do pomar; h) não se aplica o contraditório porque não há procedimento administrativo instaurado, mas apenas execução de medida de ordem pública; e, i) legalmente não é exigível a instauração de procedimento administrativo para o controle de fenômenos naturais (fls. 49/58). Juntou documentos (fls. 59/61).
A Fazenda do Estado de São Paulo informou a fls. 66/67, que até o presente momento não foi sequer colhido material do pomar do autor, pelos agentes estatais, razão por que inexiste interesse jurídico na presente demanda.
Réplica a fls. 71/72.
Instadas a especificar provas, o réu pugnou pelo julgamento antecipado da lide (fls. 75).
É o relatório.
DECIDO.
A Constituição Federal assegura a todos os brasileiros o contraditório, ou seja, a possibilidade de ter ciência dos atos contra si produzidos e de contrariá-los. É mais que um direito: trata-se de garantia fundamental, reconhecida no art. 5º, LV, da Lei Maior.
Dois são, portanto, os elementos fundamentais desse basilar princípio: “necessidade de bilateralidade e possibilidade de reação” (Uadi Lammêgo Bulos, Constituição Federal Anotada. 7ª ed. SP: Saraiva, p. 301).
Ora, o que pretende o autor é, apenas, o respeito a essa garantia fundamental, estampada na Carta Magna – nada mais.
Ainda que o ato administrativo lastreie-se em regulamentos sanitários instituídos por Decretos-leis de tempos ditatoriais, ainda que decorra do Poder de Polícia ínsito à Administração, ainda que o material não tenha sido colhido, é inequívoco o interesse do autor, em face da legislação posta, ver inibida eventual sanha incendiária da Defesa Agropecuária sem que ele possa, antes, contrariar o laudo que lhe for apresentado.
A isso se chama contraditório. Não permitir é negá-lo.
Por outra, os argumentos da combativa Defesa, acerca da gravidade do cancro cítrico, perdem força à medida que sequer realizou os exames laboratoriais nos pomares do autor – mesmo tendo constatado neles possível incidência do mal agrícola.
Assim, se é possível aguardar mais de dois anos para a realização da coleta de material para a realização dos exames laboratoriais, com maior razão se faz possível aguardar um trintídio para possibilitar ao autor a realização de uma contraprova.
O que não pode prosperar é a ameaça, não impugnada (antes, confirmada – fls. 66 e 68), de inutilizar todo o pomar do autor, estejam contaminados um, dois, cem ou mil pés, sem que a ele seja dada ciência exata dos fatos e se lhe possibilite contrariar os laudos científicos.
A prova da ameaça (fls. 68) convence.  Não bastasse isso, na própria contestação o Diretor do Escritório de Defesa Agropecuária e a Fazenda Pública Estadual confessam o procedimento a ser seguido [como ensina Sérgio Cruz Arenhart, “(...) em matéria de tutela inibitória, não se trata de verificar a obtenção de ‘verdade’ no processo, mas sim de encontrar a preponderância da probabilidade, segundo os critérios de redução do módulo de prova, conforme visto anteriormente, motivo pelo qual, na ausência de outros elementos no processo, essa única prova poderia, em certos casos, levar à procedência da demanda” (Perfis da tutela inibitória coletiva, 2003. SP: RT, p. 274)].
Dessa forma, por todo o exposto, JULGO PROCEDENTE a pretensão de B em face do DIRETOR DO ESCRITÓRIO DE DEFESA AGROPECUÁRIA DE Y, razão pela qual determino ao réu que se abstenha, pessoalmente ou por interposta pessoa, de cortar os limoeiros do autor, sem antes lhe permitir contestar o laudo de análises laboratoriais do escritório de defesa agropecuária num prazo mínimo de trinta dias, sob pena de pagamento de multa de cem mil reais, sem prejuízo daquelas previstas para o crime de desobediência. Torno, assim, definitiva a liminar concedida, substituindo, apenas, a astreinte por uma multa em valor pré-estabelecido.
Condeno o réu, sucumbente, ao pagamento das custas e das despesas processuais, bem ainda ao pagamento da verba honorária da parte contrária, que fixo, por eqüidade, em um mil reais.
P. R. I.
Dracena, 13 de novembro de 2008
Bruno Machado Miano
Juiz de Direito

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